domingo, 14 de setembro de 2014

Pânico: Um frisson na metalinguagem

Em uma realidade paralela onde os exageros não fossem massacrados pelos alheios, não seria difícil afirmar que o diretor Wes Craven é muito provavelmente o nome mais importante do cenário de terror no cinema mundial... desde que estourou criando a importante saga de A Hora do Pesadelo (lá na década de 80) o qual definiu regras para os slash movies nos dez anos seguintes. E é justamente sobre essas regras que esse texto se trata. Todos sabemos que os filmes de terror possuem suas regras (o que chamamos carinhosamente de clichê), tais como: "onde há sexo, há morte; o virgem sempre sobrevive; nunca se investiga a origem de um barulho, o assassino é onipresente". Coisas que todos sabemos, mas que dessa vez seriam questionadas.

Em 1996 Wes Craven mais uma vez fez história, sem lançar um filme decente desde "As Criaturas Atrás das Paredes" (clássico b-sider de 1991) o então - na época - jovem diretor anunciara o seu maior sucesso de crítica, público e lucro. Pânico era um filme ligeiramente simples porém extremamente transgressor no que se dizia cinema de terror, com uma premissa comum o filme desconstrói os slash movies através de uma proposta nova de diálogo com o público - promove um questionamento se atribuindo de uma metalinguagem até então nunca utilizada - brincando com os clichês e tornando seus personagem um de nós; cinéfilos que conhecem as regras dos filmes de terror. A clássica cena de abertura do primeiro filme da franquia já se mostrava irreverente, Drew Barrymore atendia o telefone de sua casa, sozinha à noite, e do outro lado da linha o assassino fazia uma série de perguntas, perguntavas que falavam justamente sobre... o cinema de terror. Levando em conta que na época Drew havia acabado de estrear a bomba de Joel Schumacher: Batman Eternamente e, que os trailers divulgados até então de Pânico traziam único e exclusivamente o rosto da atriz, fora uma surpresa tremenda para os primeiros espectadores o fato de que, justamente a atriz mais famosa do elenco tratava-se na verdade da primeira vítima do filme e que só depois dessa cena ficaríamos sabendo quem era, de fato, a protagonista de tal.
Drew Barrymore em Pânico 1
Mais um ponto para Craven, pois desde então as cenas de abertura, em que são apresentados os assassinos do filme juntamente da primeira vítima, se tonaram obrigatórias em um filme de slash. O segundo ponto do diretor se dá pelos diálogos do filme, quase a metade deles são exclusivamente em cima das famosas regras dos filmes de terror, conversas movidas através da questão principal do longa: quem é o assassino? Não apenas como homenagem a outros filmes, mas também como crítica aos maiores fracassos do gênero na década passada - inclusive uma autocitação pouco presunçosa por parte do diretor, mas não menos cativante, onde há a aparição de um dos personagens vestindo blaser preto e vermelho, junto a um chapéu de mesma cor, sendo chamado de Freddy, o qual era coincidentemente o mesmo nome do assassino do clássico "Hora do Pesadelo". A presença de personagens cinéfilos e conhecedores de cinema no filme também acaba por aproximar o espectador ao universo que está sendo apresentado, e torna todos os diálogos muito mais verossímeis.

O carisma de Ghostface (nome do assassino) também é outro ponto alto de Pânico. Além do visual ligeiramente engraçado, Craven atribuiu ao antagonista a características mais marcante de todas, a humanização do assassino. Humanização não no esquerdismo de "seus crimes são justificáveis", mas sim no fato de todas suas ações estarem suscetíveis ao erro, como também serem extremamente possíveis - Ghostface não se trata de um super humano/monstro com força descomunal, Ghostface não se move na velocidade da luz aparecendo em vários lugares ao mesmo tempo (ou quando o faz, se torna plausível) e o mais interessante: Ghostface é, na verdade, o assassino mais burro do cinema -  ele cai, se machuca, se perde e se atrapalha no meio de suas perseguições. Já o último ponto (nessa grande tabela) se dá pela revelação do assassino, e que pela primeira vez no cinema blockbuster estamos falando de dois seriais killers e não um, como acreditava-se. Também fora com o assassino deste filme que acabamos atribuindo características de identidade para o mesmo, e não de entidade como era feito até então.

O vilão da saga Pânico
Com o sucesso inegável não fora nenhuma surpresa que, já no ano seguinte, a sequência de Pânico fosse lançada. Pânico 2 acabou trazendo a mesma dobradinha de diretor (Wes Craven) e roteirista (Kevin Williamson), e dessa vez a metalinguagem toda se dava com: uma sequência que fala de outras sequências. Com os mesmos três protagonistas do primeiro filme (formado pela estudante Sidney, o agente Dewey e a repórter Gale Weathers) o longa se mostra tão bem construído quanto o primeiro, com uma cena de abertura igualmente genial - dessa vez se passando dentro de uma sala de cinema, com a primeira vítima assistindo a um "filme baseado nos eventos reais do primeiro filme"... quase um nó no cérebro. Aliás a primeira morte de Pânico 2 também ocorria com uma celebridade da época, Jada Pinkett (que depois viria a se casar com Will Smith) e também trazia ela na capa do filme, como no anterior que trazia Drew Barrymore.

Já em Pânico 3 (lançado em 2000) os diálogos do filme eram todos movidos em cima das regras de: todo terceiro filme é o pior de uma trilogia, fatos do passado influenciariam diretamente no desfecho da película, tem mais vítimas que os dois anteriores, todo mundo (até o protagonista) pode morrer. Com a trinca de protagonistas formada mais uma vez, esse é sem dúvidas o pior título da saga. Dessa vez mesmo com uma sinopse irreverente - os assassinatos acontecem no set de gravações de Stab 3, sequência do filme mostrado na cena de abertura de Pânico 2 - o filme falha. Sim, premissa interessante que se perde no desinteresse promovido com a falta de carisma dos novos personagens (logo, novas vítimas) e nos diálogos arrastados pelos mesmos, erro o qual eu atribuo culpa à presença de um co-roteirista, o único filme da saga a possuir um até então, é também o filme mais mal fotografado dentre os três, tendo uma estética meio sépia em seus planos que é realmente irritante. Mais irritante, menos interessante... porém não menos divertido, e que apesar das quedas acaba encerrando a trilogia de forma satisfatória. Por fim Wes Craven ficou anos sem lançar nada realmente bom, com exceção do interessante Voo Noturno (2005)... aliás, Craven mal falava de sua trilogia em entrevistas fazendo com que muitos duvidassem de uma continuação, por isso a surpresa (e alegria) fora extrema quando Pânico 4 foi anunciado.

Pânico 4 saiu em 2011 - onze anos depois de Pânico 3 e trouxe uma nova roupagem para o universo de Woodsboro (cidade onde se passa o primeiro e segundo filme). Com um elenco totalmente reformado (salva a alegre exceção dos três protagonistas já citados) o filme se demonstra mais uma vez jovem e universal. Pânico 4, ao contrário do que se imaginava, não fala sobre "quartos filmes de sagas", ou "retorno de trilogias"... dessa vez a homenagem se dá aos frutos renegados do terror: mais conhecidos como Remakes. Homenagem que só faz sentido quando percebemos que todas as mortes do quarto filme possuem algum elemento que faz referência a alguma morte de Pânico 1. Com essa decisão Craven não demonstra apenas originalidade, mas também carinho com os fãs e o próprio universo criado. Aliás, já na cena de abertura (onde várias celebridades conhecidas do universo pop morrem) o diretor trás o conceito de metalinguagem a um extremo nunca tentado antes, em uma espécia de inception temos filmes dentro de outros filmes - sendo impossível de se explicar em um texto, sem que seu cérebro exploda. Tudo isso recuperando o fôlego dos diálogos irreverentes da saga, tendo espaço inclusive para alfinetar Jogos Mortais (criação do genial James Wan, considerado por muitos o Wes Craven da nova geração). O filme apresenta o melhor ritmo dentre os títulos da série, e se mostra completo naquilo que se refere a imersão na miscelânea do novo cinema de terror. Aliás, arrisco dizer que Pânico 4 é o mais sofisticado de todos no que se diz à sentido de linguagem cinematográfica, tendo espaço inclusive para uma leitura de semiótica na simbologia de suas cenas, coisa tão rara dentro do que nos é oferecido nos blockbusters de terror atualmente. Outra característica é que nessa parte da história a presença do gore (subgênero que vem cada vez se popularizando mais) é reconhecida, tendo as mortes mais violentas até então promovidas por Ghostface.

Poster de Pânico 4

Pânico 4 é o ultimo filme da franquia, e ao que tudo indica é o fim definitivo, já que Wes declarou não demonstrar interesse em um quinto título, também levando-se em conta que o diretor e Williamson brigaram durante as gravações do mesmo. Notícia que vem com alívio e aperto no coração dos fãs da saga. Aperto no coração pois o carinho criado com Sidney é realmente algo profundo, principalmente com aqueles que (assim como eu) cresceram assistindo os títulos da série, e alívio pois Pânico 4 fora, sem sombra de dúvidas, um encerramento excelente.

Por fim, Scream (como ficara conhecido lá fora) não é apenas uma boa saga, mas também uma homenagem ao gênero cinematográfico mais polêmico, desvalorizado e assistido do cinema mundial. Pânico é sobre falar de um universo que se admira, com respeito e sofisticação - de forma nada prolixa (ao contrário desse texto), é um título que revolucionou os slash movies, e lançou tendências as quais ainda são frequentemente imitadas pelos novos diretores. Com isso também concluímos que Wes Craven fora duas vezes gênio... será que há espaço para uma terceira reviravolta partida das mãos dele?

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