terça-feira, 21 de abril de 2015

Nova Dubai - O Trash Humpers tupiniquim

Dos dias 13 a 17 de abril ocorreu em Pelotas o "Frisson", um panorama de cinema (proposto por Guilherme Lucas e Lucas Sá) o qual visava trazer títulos do cinema nacional que não tiveram e dificilmente terão oportunidade de adentrar o circuito de exibição comercial da região, para que dessa fosse possível, aos interessados, que assistissem tais filmes.
Fui convidado, pelo e-cult (jornal digital sobre eventos culturais da cidade) para escrever sobre dois dos seis longas exibidos (além dos 6 longas, a programação contou com mais 12 curtas metragens premiados nacionalmente). Segue abaixo a crítica sobre Nova Dubai (de Gustavo Vinagre).

"O Trash Humpers tupiniquim

Por Mateus Neiss

Um dos recursos narrativos cada vez mais utilizados no Cinema Independente nacional é o hibridismo das relações estabelecidas entre ficção e documentário. Em “Nova Dubai” Gustavo Vinagre se apropria de tal ferramenta e decide explorar novamente a temática do sexo e suas nuances, ao mesmo tempo que estabelece um confronto com as paisagens urbanas crescentes em cidades interioranas.

O média (com aproximadamente 56 minutos) se passa na cidade de São José dos Campos (São Paulo), em específico no bairro onde o diretor (e protagonista) passou sua infância e adolescência. É justamente devido ao sentimento de desconforto ao deparar-se com seu lugar de infância sendo tomado pro obras megalomaníacas e gigantescas que Gustavo Vinagre e seus amigos decidem fazer um filme onde esses espaços sejam discutidos e, de quebra, usam o explicistimo sexual como uma manifestação de ultraje a esse fenomêno social. Uma chance ideal para promover a reflexão em torno de assuntos como gentrificação e comportamento humano, mas que se perde em meio a tanta vaidade e auto-promoção por parte da equipe idealizadora do projeto.

Uma clara referência ao filme é, justamente, o b-sider “Trash Humpers” (lançado por Harmony Korine em 2005), o qual apresenta a proposta de inserção de personas psicóticas em meio a espaços urbanos, públicos e privados. Enquanto em Trash Humpers a concretização desse impulso inicial é de fato coesa e possessor de uma atmosfera única, Nova Dubai soa como uma miscelânea de possíveis narrativas que não chegam de fato a lugar algum.

A frustração é contínua conforme a projeção se estende, não só pelo fato de todas as propostas de debates não tomarem forma, mas também por se levar em conta o histórico de Gustavo Vinagre, que possui em seu currículo um dos filmes mais interessantes de 2012 – Filme Para Poeta Cego – e que, de forma maestral, explora o sexo como ferramenta narrativa.

Em determinado momento do filme, Caetano Gotardo (diretor do longa “O que se move”) interpreta um corretor de imóveis que apresenta um apartamento para os protagonistas, os quais estão ali exclusivamente para a realização de mais um de seus fetiches sexuais. Um belo plano apresenta, da sacada desse imóvel, o verde campo que dará espaço para novas moradias. Trata-se da oportunidade ideal para maturar a proposta de intervenção civil em meio a sexualidade e que não se concretiza, mais uma vez, pois abre espaço para sequência de primeiros planos em uma sessão de “gag on fag”. O tão essencial espaço geográfico é mais uma vez engolido em nome de um capricho pueril.

O gratuito de forma alguma soa desnecessário, o choque e desconforto provocado é de fato uma das grandezas do média e Gustavo Vinagre é feliz na super exposição daquilo que continua tabu no cinema nacional. A questão é que tanta alegoria acaba por não chegar a um objetivo maior e, no final das contas, um filme com extrema grandeza social acaba por se comprovar frívolo e desinteressante."

sábado, 11 de abril de 2015

✰ TOP 5 ✰ - CINEMA COREANO

Cinema (sul) Coreano talvez seja um dos mais expressivos e únicos da cinematografia periférica atual (juntamente com o Cinema Iraniano e Indiano), sensibilidade é de fato uma grandeza genuína nas produções que, com o passar dos anos, se firmaram em festivais  e tornaram-se promessas de bons títulos para o público cinéfilo mais seletivo. Universalidade nos temas abordados faz com que qualquer espectador compreenda e se enxergue na persona impressa em tela, os problemas vividos por seus protagonistas é reflexo de qualquer vida adulta, e sua línguagem cinematográfica é afirmada em tons poéticos.
Com isso apresentamos um top 5 com os títulos mais interessantes nas produções deste país.

✰ 5 - Oldboy -  Park Chan-wook (2003) 

Sempre aclamado e lembrado, Oldboy (2003) acaba sendo a maior referência do cinema sul coreano, elogiadissimo em Cannes no ano de seu lançamento o mesmo se envolveu em uma polêmica ao promover uma discussão entre os juris na categoria "prêmio da crítica". O maior rumor é que Quentin Tarantino teria surtado após seus colegas de banca não terem nomeado o filme para recebimento do prêmio (entregando o mesmo aos filmes "Às Cinco da Tarde", de Samira Majmalbaf, e "Uzak", de Nujri Bilge Ceylan). O destaque de Oldboy da-se graças a precisão de suas cenas de luta, extremamente bem coreografados (no próprio contexto de mise-en-scene) e os plot points em seu roteiro - aliás, o final do longa é tido por muitos como a pior história de vingança do cinema. Oldboy faz parte de uma trilogia antecedida por Mr. Vingaça (2002) e encerrada por Lady Vingança (2005), sendo todos dirigidas por Chan-wook Park (que recentemente dirigiu o norte-americano "Segredos de Sangue" - protagonizado por Nicole Kidman). Os três filmes contam histórias de vingança e se atribuem de diferentes estilos narrativos para fazê-lo, revelando a versatilidade de Chan-wook.

✰ 4 - Mother- Joon-ho Bong (2009) 

Outra belíssima obra coreana, lançada em 2009, Mother é um filme sobre investigação policial que se utiliza desse pretexto para discutir a relação sensível entre mãe e filho e os limites que um amor materno suporta em nome de seu fruto. Apesar do argumento soar piegas e cansativo, vale a pena destacar mais uma vez que a sensibilidade dessas obras beira um rendimento espiritual por parte do espectador. A dor representada em tela é palpável para quem a recebe, o tom frio do filme (que possui uma paleta de cores escuras e opacas) torna tudo mais denso na tristeza retratada pela protagonista. Mother consegue despertar (ao longo de suas duas horas de filme) compaixão da forma mais agridoce possível. Verossímil.

Still frame Mother (2009)
✰ 3 - I Saw The Devil - Jee-Woon Kim (2010) 

Dirigido por Jee-Woon Kim, que ganhou reconhecimento mundial em 2003 ao lançar o terror "Medo" (apesar de mediano fora bem recebido pelo público e crítica), I Saw The Devil começa com uma proposta de thriller e, apesar de acabar diluindo sua narrativa e se tornar um filme de ação da segunda metade para o final, não cai em clichês narrativos e se estabelece com um ritmo dinâmico e extrasensorial. A maioria de suas sequências violentas são sensitivas (graças a um desenho de som exagerado e caricato, vide giallo) permitindo que o espectador as perceba como "não-genuínas", mas ainda assim extremamente dolorosas, aliás, o elemento caricato ronda o longa frequentemente, e não prejudica de forma alguma o desempenho de seu universo. As cenas desenroladas em cenário urbanos do país possuem tanta irreverência visual que inúmeras vezes é questionável de onde a mesma se passa. Esse aspecto de mise-en-scène aplicada a estética urbana é comum no Cinema Coreano, mas geralmente vem acompanhado de uma impressão cultural do local - I Saw The Devil não funciona da mesma forma, sua universalidade é muito mais constante. Destaque também para uma das sequências que envolvem investigação policial na beira de um rio que faz clara referência, ao já citado neste post, Mr. Vingança.

✰ 2 - Poesia - Chang-don Lee (2010) 

Este filme é um divisor de águas para quem quiser compreender a beleza na simplicidade do cinema coreano. Poesia conta a história de uma senhora de 60 anos que precisa lidar ao mesmo tempo com um crime em sua família e seu diagnóstico de Alzheimer, em meio a tudo isso a mesma acaba encontrando alívio e compreensão no mundo da poesia. Dirigido por Chang-don Lee (responsável por outro grande título coreano chamado "Sol Secreto", de 2007), o diretor expõe uma vulnerabilidade e melindrismo muito únicos no universo da protagonista. Não há apenas empatia, mas também ternura na relação estabelecida com aquele que o assiste. Muitas vezes remetendo à trabalhos de Kim-ki Duk (outro grande diretor coreano), os limites do espaço rural de encontro ao urbano contemplam aquilo que é apresentando através de palavras, nas poesias da protagonista.

Still Frame - Poesia (2010)
✰ 1 - O hospedeiro - Joon-ho Bong (2006) 

Pela primeira vez neste blog, um top 5 terá dois filmes de um mesmo diretor. O hospedeiro também é dirigido por John-ho Bong, porém segue uma linha narrativa inversa ao de seu filme Mother. Enquanto Mother trata-se de um drama (com elementos policiais) que conta uma relação entre mãe e filho, este se atribui do terror (com elementos de sci-fi) para contar uma relação entre pai e filha. Lançado em 2007, o longa rendeu uma repercussão enorme na internet em meio aos fóruns sobre cinema de terror, pois o mesmo era vendido como um novo "Godzilla" (só que em proporções menores, deixemos claro) o que depois fora percebido como equivoco, já que o mesmo vai muito além de seu argumento inicial. Logo em seu começo somos apresentados a um dos planos sequências mais bem coreografados já visto, e compreendemos ainda neste instante que John-ho não está preocupado exclusivamente em atingir os fãs de terror/sci-fi, com um entretenimento visual, mas também outorga carisma à família protagonista, trazendo o (já dito e repetido neste post) autorreconhecimento característico do cinema coreano. Por fim, "O Hospedeiro" tem uma estrutura muito parecida com "I Saw The Devil": seu começo explora os pontos comuns do gênero proposto, mas de sua metade para o final o filme acaba indo por outros caminhos narrativos, alívios da comédia e algumas zonas de conforto da ação, não prejudicando de forma alguma seu desempenho.


Still frame - O Hospedeiro
Filme bônus:

✰ Birdcage Inn - Kim-ki Duk (1998) 

Um dos filmes mais controversos de Kim-ki Duk, mas que possui lugar garantido no coração deste que vos escreve. Trata-se de um drama coreano com nuances de novelas mexicanas, mas que resultam numa obra única e de extrema crítica a desigualdade social no país. Uma narrativa simplória mas de forma alguma pobre, que é negada por muito dos fãs desse talentoso diretor.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Crítica - Renascida do Inferno

Sendo o último título da Blumhouse (produtora de terror com maior reconhecimento na atualidade), Renascida do Inferno é, literalmente, o pior título da mesma até então. Dirigido por David Gelp – o qual nunca tinha dirigido nada relevante, apenas alguns documentários televisivos (incluindo um documentário sobre “Ensaio Sobre a Cegueira”) - o filme se perde e afunda naquilo que até então era uma premissa interessante.

Fugindo do enredo dos títulos atuais, Renascida do Inferno (o nome em português trata-se de um spoiler significativo, aliás) conta a história de um grupo de cientistas que trabalha em uma fórmula capaz de trazer alguém da morte, ressuscitando animais que acabaram de morrer. Acontece que em um acidente no laboratório, uma das cientistas é eletrocutada e seus colegas decidem trazê-la de volta à vida através do mesmo procedimento. Contendo um elenco formado por jovens atores que aos poucos se firmam no cenário cinematográfico, dentre eles os ótimos Olivia Wilde (Dr. House) e Evan Peters (American Horror Story), o filme inicia-se bem e cria uma atmosfera envolvente (vale à pena destacar que seus créditos iniciais é um dos mais interessantes do ano) – apresentando elementos narrativos que nos remetem à filmes como Cujo e Hellraiser (clássicos do cinema de terror oitentista) e introduzindo uma sucessão de fatos que o mantém estável e com roteiro coeso... Até a chegada de seu plot twist.

Cartaz sueco promocional do filme Cujo
Todo suspense se demonstra efêmero assim que a trama principal se estabelece, ou seja, quando sua protagonista (Zoe, interpretada pela já citada Olivia Wilde) volta à vida, fazendo com que tudo no longa se torne caricato e de extremo mau gosto. A mise-èn-scene do mesmo, que até então já era mediana, agora simplesmente se tornar intragável. Não ocorre equilíbrio nas cenas, o jogo de câmera é confuso, espaço geográfico do cenário é totalmente não explorado, fazendo com que o espectador se questione o tempo todo de onde os personagens estão e o que está acontecendo (culpa atribuída principalmente ao diretor de fotografia – Michael Fimognari – que decide fazê-la com uma lente 50mm, mantendo seus enquadramentos muito próximos ao rosto dos atores). Exatamente todas as sequências de “suspense” são construídas com os mesmos artifícios: repetição dos gritos somada às luzes do laboratório se desligando. Não surtindo efeito nem em sua primeira cena, quiçá nas posteriores.

Still frame do filme Renascida do Inferno (2015)
Não foram poucas as vezes que risos tomaram conta da sala de cinema, um sentimento de frustração de tamanha magnitude que quando o filme se encerra, o alívio é geral. Blumhouse comprova a qualidade decadente de seus trabalhos que, desde Sobrenatural – Capítulo 2 (2013, James Wan), não lança nada coerente ou agradável. O único apelo que resta é para que David Gelb volte ao documentário televiso e nunca mais se aventure no terror.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Crítica - Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância

Uma breve crônica antes da crítica de fato:

Em meados de agosto de 2011, um terrível inferno astral tomou conta de uma família gaúcha e interiorana. Um jovem garoto, que então tinha 16 anos e estava prestes a se formar no Ensino Médio, foi acometido de uma terrível depressão por conta de suas inseguranças, ao mesmo tempo em que tivera um pré-diagnóstico de um provável câncer de linfoma. Como seus pensamentos não estavam fluindo da melhor forma, essa possível doença fora o suficiente para provocar insatisfação com a vida, e fazer de uma possibilidade uma certeza cruel e enfadonha.  Muito drama para poucas vias e fatos, sabemos disso. Fora também que, em meados de agosto daquele ano, Biutiful (filme Alejandro González Iñarritu) chegara às vídeo-locadoras. O filme retratava a história de um homem – interpretado por Javier Bardem - por volta de seus 40 anos, que se vê no final de sua vida graças a um câncer terminal no cérebro. Sem saber como lidar com a frustração de deixar dois filhos para trás e cancelar os planos de longo prazo, a personagem se expandia na tela e se aproximava do espectador com os questionamentos de sua não tão branda vida. Essa aproximação foi sentida por este tal garoto, por achar que seu drama dialogava com o universo apresentado. Um capricho púbere, mas que fora muito importante e esclarecedor no período, dizem. Sentimento, este, raro que aparece poucas vezes e, que de forma curiosa, se fez mais uma vez presente na vida deste mesmo garoto, anos mais tarde... Pelas mãos do mesmo diretor.

Birdman – Alejandre González Iñarritu

Após se manter quatro anos afastado das telas de cinema, Iñarritu decide voltar com o longa “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância”. Trata-se de um falso plano sequência no qual o diretor propõe discutir os valores da arte e o egocentrismo humano, o filme é de fato um acerto cinematográfico e uma obra de cunho filosófico (sem o pedantismo de suas semelhantes) acessível e cercado de uma universalidade poderosa. Birdman fala com todos os públicos sobre um assunto não tão claro com estes, e ao mesmo tempo que questiona a grandeza da arte, reflete sobre para quem a mesma é feita e em nome de quem (ou qual ego). A história trata-se de Riggan Thomson (Michael Keaton), um ator que fizera muito sucesso em seu passado interpretando Birdman, um super-herói que se tornou um ícone cultural. Em busca da fama perdida e também do reconhecimento como ator, ele decide dirigir, roteirizar e estrelar a adaptação de um texto consagrado para a Broadway.* Ao mesmo tempo que Riggan tenta levar adiante sua peça, a voz de seu alter-ego (Birdman) domina sua mente, lhe fazendo refletir se o mesmo faz isso em nome da arte ou em nome da fama que não se faz mais presente em sua vida, seria sua peça um fruto da ambição pessoal?

Still frame de "Birdman" (2014)
Como todo bom plano sequência, Birdman traz cenas com coreografia precisa e eficiente, que não só permitem um melhor jogo de cena na atuação de seus protagonistas, mas também uma sensatez quase documental de sua fotografia (assinada por Emmanuel Lubezki, responsável pela fotografia de “A árvore da vida”). Praticamente todos os elementos de interferência visual e de iluminação tem sua presença justificada, graças à ambiência do universo apresentado: um teatro da Broadway. Esse cenário permite uma atmosfera mágica e de total imersão, os atores contracenam dominando todo o espaço enquadrado, e quando um deles está fora de quadro, objetos permitem uma extensão visual incluindo-os de volta à cena, seja espelhos ou reflexos de janelas – uma interferência inteligente, e que já estivera presente em outros títulos do diretor (como “Amores Brutos”, de 2006).

Além de Michael Keaton, o longa tem outros inúmeros atores que se demonstram não apenas bem ensaiados como também extremamente funcionais em cena, não há uma única atuação que deixe à desejar e todos parecem entregues à insanidade do protagonista (destaque para Edward Norton e Naomi Watts, no papel dos colegas de cena da peça). Atuações que ganham maior destaque quando acompanhadas dos belos diálogos apresentados durante as duas horas de filme, um acerto enorme devido à importância que as falas representam no mesmo, não só no sentido narrativo ou didático, mas também na criação da atmosfera representada, afinal, estamos em um teatro e aqui as coisas devem ser ditas de forma clara e forte.

Com um estado psicótico em evolução o filme cresce à medida que o protagonista fica mais louco, chegando ao momento que tanta insensatez se torna quase palpável para o espectador. Alguns elementos cenográficos começam a se transformar em semiótica pura e exibicionista, como se os estado mental do personagem agora ocupasse forma física e interferisse geograficamente a todos que o cercam. Loucura essa que acaba nos remetendo a outros dois grandes filmes que trabalham com o tema: “Cisne Negro” dirigido por Aronofsky e o clássico “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder. Birdman se encerra com a máxima mais radical da arte, longe de um niilismo momentâneo, dando sangue em troca de sua realização – de forma literal.

Still frame de "Crepúsculo dos Deuses" (1950)
Pela primeira vez Iñarritu não trata de um assunto político-social, mas sim daquilo que sempre o incentivou à fazer cinema - o amor pela arte – e mesmo assim não deixa a atmosfera pesada de seu drama se afastar, reflexões mais poéticas e nuances não tão sucintas ainda permitem uma provocação direta com o espectador que mesmo sem ter uma identificação clara com os personagens, acaba por compreender e partilhar das frustrações vividas na tela.  Seja a trilha do jazz, as referências atuais ou o contexto em que o filme é situado, alguma coisa neste universo criado por Iñarritu não só cativa, como também humaniza aquilo que endeusamos e sofisticamos tanto, a arte. Por fim o diretor afirma que a mesma não só nos torna mais transparentes, como também nos faz ser quem somos.

*Sinopse retirada do site adorocinema.com.br

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Dicas para os novos acadêmicos de Cinema

Atualmente em meu sétimo semestre de Cinema e Audiovisual (final do ano me formo pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL), ainda causo espanto quando respondo a qual curso faço na faculdade. Graduação em Cinema ainda é novidade no Brasil e muita gente nem se quer sabe da existência do mesmo – o que resulta em desinformação não apenas de leigos, mas também em gente que tem interesse de estudar na área. Lembro-me que, ao entrar no curso em 2012, não tinha embasamento algum para real noção do que me aguardava, sabia que era um curso que estudava e produzia filmes, mas não possuía ideia de como o mesmo era feito. Pois bem, foi pensando em esclarecer inúmeras duvidas que criei este post no qual irei pontuar dicas úteis para os novos e/ou aspirantes a estudante de Cinema e Audiovisual.

Repertório é tudo
A primeira dica, e talvez a mais útil de todas, é: Tenha repertório sobre inúmeros filmes. Conhecer cinema é tudo nesse tipo de curso e é fundamental ter real noção de diferentes gêneros cinematográficos – não adianta de nada saber os trends do momento (Kubrick e Tim Burton todo mundo conhece) sem ter ideia das vertentes que existem no cenário clássico ou até mesmo underground. Afinal, você não está se tornando um graduando de cinema para discutir quem chorou mais em “A Culpa é das Estrelas”, não seja o tipo de acadêmico que acha Kill Bill e Amelie Poulain os melhores filmes do mundo... Ou caso queira ser, que tenha embasamento para defender o mesmo. Cinema vai muito além de montagem dinâmica e filtro de instagram.

Experimente todas as áreas
Não tenho total conhecimento sobre como funcionam os cursos de cinema no Brasil, o que sei que é que o meu (oferecido pela UFPEL) tem exercício prático de grande presença: todo final de semestre temos a obrigação (e prazer) de entregar um curta-metragem de ficção para avaliação do corpo docente. Se o curso que você aspira funcionar da mesma forma, aproveite para passar por todas as áreas de uma produção cinematográfica. Cada estudante tem sua área favorita e na qual se sente mais à vontade, mas é importante sair da zona de conforto e se aventurar em outras funções para afinar e aguçar suas habilidades. Nunca gostei da área de som ou produção, mas apenas quando topei fazer os mesmos e tive real ideia da dimensão destes papeis e domínio básico para trabalhar com ambos. Prática só vem com experiência.

Divulgue seus filmes
Todo estudante fica surpreso ao lidar com a grandeza da área de curtas-metragens no Brasil, são inúmeros festivais que acontecem no país todos os anos e por isso é importante que você envie seus filmes, por mais simples que sejam, para que o mesmo tenha uma maior visibilidade. A maioria dos festivais aceita inscrição online, por isso nenhuma desculpa é válida na não participação dos seus filmes nas curadorias nacionais. Lembre-se também que todo festival é válido, por menor que seja, e que não vale a pena a prepotência de achar que tal festival não merece sua participação por não ter uma visibilidade maior. A vida não é Festival de Gramado, graças à Deus.

Não tenha preconceitos com gêneros
Todos sabem que qualquer forma de preconceito é ignorância, na área cinematográfica o mesmo se aplica.  Meu gênero favorito sempre foi o Terror, já cansei de ver colega torcendo o nariz quando eu declarava o mesmo – colega inclusive declarando que esse tipo de gênero é “menos arte” que outros, por ter (algumas vezes) uma faceta mais descontraída. Não seja esse tipo de pessoa e assista de tudo, eu, por exemplo, subestimava o cinema Coreano, até que me tornei fã do mesmo. A regra também vale para séries televisas quiçá novelas, hoje em dia todo audiovisual acaba englobando a linguagem do cinema e transforma sua narrativa em arte. DESTAQUE DE OURO: Você como estudante brasileiro tem o dever moral de descontruir esse mito de que o cinema nacional é fraco e de baixa qualidade. Aliás, se você possui esse pensamento já comece a desconstrui-lo agora. É claro que existem títulos caricatos e de baixa qualidade (Globo Filmes) como em qualquer país, mas ainda assim cinema nacional é um pote de ouro com inúmeras obras consagradas, inclusive no exterior – conhecer e se informar é seu dever, não fazê-lo é burrice.

Se cerque de informações sobre
Cinema vai muito além de saber o lançamento do ano e acaba passando por áreas como: história, orçamento, crítica, política, premiações e tecnologias. Portanto é fundamental que você saiba um pouco de cada (ou muito). Com o Facebook fica fácil manter seu feed fresco e atualizado sobre o assunto. Algumas páginas que eu acompanho e indico são: Cahiers du Cinéma (officiel),  Cannes Film Festival, Filmes do Chico, Bloody-Disgusting e Adoro Cinema.

Socialize com todo mundo
Filme é uma arte que pode ser feita de inúmeras formas, porém, com certeza nenhuma delas inclui fazê-la sozinha. Já é importante em qualquer curso que você seja acessível e aberto com sua turma, que saiba ouvir opiniões alheias e construir algo com elas, mas no cinema isso é ainda mais essencial, pois na hora de realizar uma produção cinematográfica se tornará inviável conclui-lo sozinho e extremamente difícil com uma equipe minúscula. Quanto mais gente melhor, e mais bonito. Don’t be a bitch, not a rude one.

Eu, no primeiro dia de aula (Still frame do filme "Universidade do Prazer")
Sempre que estiver com dúvidas procure um veterano da faculdade que você aspira e tire suas dúvidas com ele, tenho certeza que o mesmo se revelará atencioso e prestativo (obrigado, Lucas Sá), pois todo veterano já foi iniciante e teve os mesmos medos que você. Por fim concluo esse post deixando claro, para você que escolheu cursar cinema, uma única coisa: Você fez uma ótima escolha.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Crítica: A Entrevista, de Seth Rogen

Após a exaustiva polêmica envolvendo o filme “A Entrevista”, episódio em que um grupo de hackers da Coréia do Norte ameaçou ataque terrorista próximo aos locais em que o filme fosse exibido nos EUA – o filme, dirigido por Seth Rogen, finalmente é lançado na internet (através de plataformas como Itunes e Amazon) e em apenas três dias já fez 18 milhões de dólares – o equivalente a um terço do orçamento do filme. Mais uma vez a polêmica vem acompanhada de bom retorno financeiro, mas isso torna "A Entrevista" um bom filme?

Depois de dirigir o mediano “É o Fim” (2013) Seth Rogen, que sempre se destacou como roteirista, aventura-se dirigindo pela segunda vez. Renovando a dobradinha James Franco e Seth, A Entrevista não é de todo play safe e se revela – entre altos e baixos – um filme sólido e interessante. Com quase duas horas de duração, o longa conta a história de um produtor televisivo (Seth) e o apresentador de um programa de entretenimento (James) que veem em uma entrevista com o líder da Coreia do Norte, a chance para elevar o nível qualitativo de seu programa, o qual não é levado à sério apesar de ser um imenso sucesso. Com uma introdução cansativa, principalmente graças aos trejeitos caricatos do personagem de Franco (ator que apesar de muito carismático, se revela cada vez mais mediano no que se diz sentido à sua competência profissional) o filme demora a desenrolar e insiste em algumas piadas repetitivas e que já foram vistas em outros trabalhos do diretor. Erro que se repete várias vezes durante o filme, que insiste em piadas já apresentadas, apenas pelo apelo popular (vide a piada sobre Firework, música da cantora Katy Perry, utilizada quatro vezes durante o filme). Apenas com a chegada de Kim Jong-un (o vilão) que o filme toma forma e recupera o fôlego que faltava.

Seth Rogen e James Franco, protagonistas do filme.
A partir dos 40 minutos, com a ida dos protagonistas a Coreia do Norte, “A Entrevista” se torna um atrativo enquanto apresenta o país que os mesmos visitam. Criando um universo bem único (o qual fica pontual através da direção de arte, que trabalha frequentemente com texturas e cores saturadas, parte da ilusão criada pela ditadura com os turistas, de que o país é divertido e belo) as piadas fluem melhor e se tornam mais dinâmicas, Rogen explora seu potencial como roteirista, mesmo com a pretensão xenofóbica de alguns momentos, e permite que os personagens cresçam à medida que o longa se desenrola: se até então o personagem de Franco era totalmente dispensável e irritante, na segunda metade do filme o mesmo se torna plausível e carismático. Outro destaque do roteiro é a presença da personagem Sook (interpretada por Diana Bang) que se revela forte e é a responsável pelas (poucas) reflexões de cunho político do filme e, ao contrário da maioria das comédias norte-americanas, não fica presa entre piadas machistas e na exclusividade de ser um apoio para o homem predominante em cena.

Still Frame do filme "A Entrevista"
Não é só no aspecto de Sook que o filme se diferencia, mas sim em fazer piadas com o opressor e não com o oprimido – apesar de algumas vezes as piadas lembrarem muito o discurso torto sobre um país socialista (o mesmo de "ditadura cubana no Brasil") e enaltecimento do estilo de vida norte-americano – ainda assim tem caráter diferente daquilo com que estamos acostumados a presenciar no cinema. O que se percebe é que, mesmo com um roteiro original, “A Entrevista” depende totalmente de apelo popular para que suas piadas surtam efeito; Seja através das referências e citações, até sua trilha sonora a qual é toda construída pela hype pop do momento (desde a já citada Katy Perry, passando por artistas como Major Lazer, Kid Cudi e Lil Wayne) o filme se escora em suas musicas assim como em uma montagem mais dinâmica (de videoclipe) para encorajar seu público a rir de suas piadas.

No final das contas o longa se revela um filme acima da média e de uma inteligência de marketing assustadora, não surpreenderá se o mesmo for o filme mais vendido de 2015 visto que o mesmo fora um dos assuntos mais comentados no segundo semestre de 2014 e, visto também, que desde TED (filme cafona e sem senso algum de timing para piadas, dirigido por MacFarlane) uma comédia não possuía apelo popular com tamanha magnitude. Well done, Seth Rogen.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

TOP 10: Melhores do Ano (parte 1)

Continuação dos melhores deste ano, a primeira parte você confere aqui.

05. Boyhood

A proposta inicial de Boyhood (projeto do diretor Richard Linklater, responsável pela trilogia “Antes do...”) já é um ganho e tanto para o cinema, pois se trata de um filme que demorou 12 anos para ser gravado, sendo assim todas as passagens de tempo retratadas no filme são de fato existentes. Contando a história do garoto Mason (interpretado por Ellar Contrane) que precisa lidar com o divórcio dos pais (Ethan Hawke e Patricia Arquette). O longa (realmente longo, com mais de três horas de duração) é um retrato do comum, sua história não apresenta grandes nuances e nem por isso deixa de ser interessante, pelo contrário, a sensibilidade apresentada é tanta que a empatia com os personagens surge do elemento mais nobre que o filme pode apresentar: o auto reconhecimento por parte do espectador com o protagonista. Boyhood trata-se de um filme minimalista com tremenda grandeza artística.


4. Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes

O documentário nacional dirigido por Bruno Polidoro e Cacá Nazario fala sobre a carreira de  Caio Fernando Abreu (poeta brasileiro falecido em 1996), não dá forma piegas e tradicional que estamos acostumados, mas da sim de uma forma romantizada e introspectiva para dentro do universo do poeta. Através da leitura de poemas e cartas pessoais de CFA com seus amados, o filme narra momentos pontais da vida do mesmo sem perder sua sutileza em momento algum. Outro ponto alto do longa é sua montagem (parte fundamental de todo documentário, pois é este que constrói sua narrativa) onde o mesmo se atribui de uma experimentação incisiva enquanto os convidados declamam as palavras de Caio.

3. O lobo atrás da porta

O thriller nacional mais empolgante dos últimos anos, tratando-se de uma “Medeia brasileira”, o filme (dirigido por Fernando Coimbra) é uma surpresa não cronológica extremamente positiva. Acompanhe a crítica completa aqui.

O lobo atrás da porta (still frame)
2.  Gone Girl

David Fincher é um dos diretores mais eficientes na arte de apresentar blockbusters de forma refinada/não somática. Tendo suspense como seu gênero favorito, seus filmes sempre apresentam uma atmosfera densa e claustrofóbica onde nem mesmo seus protagonistas são totalmente claros para quem o assiste. David adora adaptar livros para as telas do cinema, porém nunca fica responsável pela adaptação de seus roteiros - em Garota Exemplar a encarregada da vez fora Gillian Flyn, que o fez com grande sabedoria ao construir a ambiguidade por trás dos personagens e ao momento de apresentação de seu principal plot twist, se assimilando com os roteiros de outros jovens no cinema mundial como Pascal Laugier (Martyrs, 2008) e Yorgos Lanthimos (Dente Canino, 2009) que revelam suas surpresas de forma muito natural e contemplativa – sem grandes destaques sobre o mesmo a ponto de o espectador ficar em dúvidas sobre a verossimilhança dos fatos apresentados até então.

1. Mapa para as Estrelas

Em primeiro lugar fica o filme de David Cronenberg. Mapa para as Estrelas é de longe o filme mais completo do ano, não existe um único erro no universo dos artistas recriado no longa. Quase de forma caricata, a complexidade dos personagens é tanta que o grande atrativo do filme é justamente tentar compreender o que há por trás das decisões dos mesmos. Juliane Moore é o maior destaque da obra, sua personagem é o retrato de uma atriz acabada e que vive dos restos de sua carreira (quase uma Lindsay Lohan pós-moderna) e apesar da mesma protagonizar momentos dramáticos, acaba por se tornar um alívio cômico degradante – tanto que a atriz fora nomeada para Melhor Atriz de Comédia com este papel no Globo de Ouro de 2015. Cronenberg acerta em, mesmo se tratando de um drama palpável, manter uma miscelânea de elementos que remetem ao de uma ficção futurística (seus cenários ricos e elementos sobrenaturais acabam por lembrar outros grandes títulos do diretor clássicos como Videodrome e ExistenZ). O filme conta três histórias paralelas: Agatha Weiss (Mia Wasikowska) acabou de chegar a Los Angeles e logo conhece Jerome Fontana (Robert Pattinson), um jovem motorista de limusine que sonha se tornar ator. Não demora muito para que ela comece a trabalhar para Havana Segrand (Julianne Moore), uma atriz decadente que está desesperada para conseguir o papel principal da refilmagem de um sucesso estrelado por sua mãe, décadas atrás. Ao mesmo tempo o garoto Benjie Weiss (Evan Bird) enfrenta problemas ao lidar com seu novo colega de elenco, já que é a estrela principal de uma série de TV de relativo sucesso.”


Outros títulos promissores mas que ainda não estrearam no cinema mundial e/ou saíram para download:
Adeus à Lingaugem (Jean-Luc Gordard)
Birdman (Alejandro Gonzales Iñarritu)
A Gangue (Myroslav Slaboshpytskiy)
Our Sushi (Hong Sang-Soo)
Mommy (Xavier Dolan)
The Look Of Silence (Joshua Oppenheimer)

Este fora o top 10 de 2014, espero que tenha gostado e até 2015!