O movimento punk talvez seja o maior legado que a história da
musica tenha deixado: a agressividade, a ironia e a subversão cultural presentes
no movimento faz com que qualquer amante da música conheça-o, e que
pouquíssimos não se identifiquem com o mesmo. A universalidade por trás do punk
é o que o tornou tão memorável, e é por isso que um enorme receio toma conta
daqueles que (aos poucos) percebem o quão verossímil é o fato de o movimento
estar morrendo. O movimento sim, sua ideologia nunca.
E é justamente sobre essa ideologia que o documentário “The
Story of Descendents/All”, dirigido por Deedle Lacour e Matt Rigle, procura refletir.
Retratando a história de uma das maiores bandas de punk da história e precursora
no Hardcore melódico/Pop-punk, o longa de uma hora e cinqüenta nos apresenta o
universo por trás do Descendents, desde sua ideologia, formação até os altos e
baixos por trás do caminho percorrido pelo grupo. Trazendo entrevistas com
músicos reconhecidos no cenário do rock (integrantes da própria banda, artistas
que foram influenciados pelos mesmos e amigos que viveram de perto essa
história) o filme é um excelente feito cinematográfico.
Cartaz do filme "Filmage: The Story Of Descendents/All" |
The Story of Descendents/All é um convite para adentrar o
universo do punk oitentista, e através de um motion graphic impecável e animações de traços simples e caricatos
(estética própria não só do movimento, como também da banda que o filme trata)
a ambientação acaba sendo instaurada, provocando imersão completa por parte do
espectador diante da projeção. Desde a citação das letras da banda enquanto a trilha se faz presente, até os inserts e sobreposições de imagens antigas em cima dos convidados: tudo é de extremo bom gosto e refinamento. Cada entrevista é uma nuance diante da história
contada, e a verossimilidade das palavras ditas pelos entrevistados atribui um
preciosismo gritante ao filme, tratando-se da história de um movimento feito às
margens da sociedade no melhor estilo “do
it yourself”, é gratificante perceber a paixão aplicada ao punk por parte
de todos aqueles que o ajudaram (e ainda ajudam) a construí-lo. Os maiores
destaques dentre os entrevistados, como já esperado, acabam sendo Bill
Stevenson e Milo Aukerman - ambos presentes desde o início da banda – figuras
mais carismáticas do grupo. Bill Stevenson sempre fora o baterista e líder da
banda, além de ser um alívio cômico o doc
também enaltece a poética (no sentido de compreensão artística) por trás do
esforço que Bill fizera ao passar dos anos para que a banda continuasse viva,
despertando assim uma empatia enorme por parte de quem testemunha tais
depoimentos. Já Milo Aukerman se mostra, mais uma vez, uma das figuras mais
carismáticas e apaixonantes no mundo da música.
De uma simplicidade
descomunal, Milo (que também serviu de inspiração para a criação do personagem
que estampa quase todos os álbuns da banda) com postura tímida e de poucas
palavras, fala desde sua paixão pela bioquímica até o companheirismo que a
convivência na estrada despertara em sua vida, tudo de forma tão sucinta e
acessível que o espectador jura estar assistindo uma entrevista do Aukerman
adolescente: aquele que fazia shows vestindo meias, samba-canção e camiseta de
super heróis. É também graças a essa
paixão dividida, entre bioquímica e a banda, que o documentário acaba falando
sobre outro grupo que faz parte da vida de todo fã de Descendents: All é o nome
da banda que sai em turnê todas as vezes que Milo decide voltar aos estudos. Trazendo
a mesma formação que o Descendents atual, porém com outro vocalista (Chad Price),
All até hoje acaba provocando polêmica entre os fãs, por parecer uma emulação
redundante.
A atual formação do Descendents |
Sendo boa parte feita com imagens de arquivos, o filme faz um
regaste histórico de extrema valia sobre as modificações que o punk vem
sofrendo desde os anos 80, e respeitando uma cronologia narrativa o resultado
de compreensão sobre a evolução do gênero até os dias de hoje se faz mais
claro. No final das contas a desconstrução promovida pelo longa (vide “os punks também amam") é de extrema
satisfação. Perceber tal movimento, que carrega uma imagem tão pesada e viril,
como extremamente humano e sincero é uma experiência capaz de trazer lágrimas
aos olhos de quem assiste, as mesmas lágrimas que Bill derrama no filme ao
falar, sobretudo, do amor que gira em torno do movimento punk.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom, Mat! Como você comentou no último parágrafo, o provável principal motivo pelo qual eu sempre gostei tanto dos Descendents tem a ver com o fato de que eles unem de uma forma tão harmônica temas envolvendo sentimentos e demais "banalidades" da vida com a agressividade dos três acordes do punk rock. Quebram, ou ignoram, de uma forma tão amável o estereótipo do punk em todos os sentidos, mas sem se importar muito com isso. Pois sim, punks também amam. Provavelmente amam mais do que qualquer um, por que sentem de verdade. Pessoalmente eu acredito que se o punk não fosse tão sensível, não seria capaz de perceber e se revoltar contra o que está errado no mundo. Inclusive, num certo momento do doc o Milo fala sobre como ele tem vontade de falar sobre garotas, mas também quer ser um punk guy haha coisa fofa.
ResponderExcluirExatamente Gabi! A "releitura" que o Descendents trouxe para o punk é o que faz nós amarmos a banda cada vez mais. Uma sensibilidade sem perder a acidez que o movimento sempre teve, é realmente espetacular. E isso fica ainda mais claro no doc! Que sem dúvidas é um dos melhores filmes do ano.
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