quarta-feira, 2 de julho de 2014

Miss Violence e a denúncia da violência doméstica

Cinema grego vem sendo tido como o queridinho da geração de cinéfilos de internet. Tudo começou com "Dente Canino" (um dos melhores filmes de 2009) e depois com "Alpes" e "L" (ambos de 2012), ocorrera uma chuva de elogios para os três longas e, em pouco tempo, toda santa alma - de bom gosto - do filmow já os conhecia. Nessa semana a internet,  para nós cinéfilos, teve outro momento de exaltação e euforia. Fora disponibilizado o tão esperado Miss Violence, que em 2013 ganhou dois prêmios em Veneza, um de melhor diretor pelo trabalho de Alexandro Avranas e outro de melhor ator, para Themis Panou. 
Girando em torno de uma desconstrução da família de classe média tradicional, que vive em meio à crise europeia, o filme nos remete muito aos trabalhos de Lucrecia Martel (O pântano e a Mulher sem cabeça possuem a mesma atmosfera) porém sem a sutileza da mesma. Miss Violence já se inicia despertando um desconforto, dois na verdade - um pela cena de abertura, um plano sequência onde uma jovem de 11 anos se suicida, em pleno aniversário (cena que da o pontapé inicial da história, nos levando a querer descobrir o porque tal o cometerá) e outro por uma característica que se manteria durante sua uma hora e meia de projeção: a dureza e inflexibilidade da direção.



Todos os filmes antes citados (os três gregos e os dois da Lucrecia) possuem uma característica chave, de conseguir produzir estranheza por parte dos personagens apáticos com o espectador, com sutileza e sofisticação. No filme de Avranas isso não acontece, as ações são sólidas e pontuais, você pode ouvir um relógio dentro da cabeça dos atores: "Conte até três e vire à esquerda" ou "Largue o copo, olhe para o lado e lhe desfira um tapa no rosto", nada é fluído e natural. Desde os olhares para a câmera (que se repetem exaustivamente) até os enquadramentos recortando o pescoço dos personagens sentados no sofá. Não me entenda mal, o filme é de qualidade técnica impecável, e até mesmo as atuações funcionam de forma respeitável, o problema é realmente o diretor que não soube equilibrar seu papel dentro do set. Ele está por trás das câmeras, mas se faz visível em cada plano. Uma pena.



Mas nem tudo são lágrimas em "Miss Violence" (literalmente), o filme além de um belo apelo visual também possui escolha narrativa e construção de roteiro idênticas ao do filme Dente Canino, mas dessa vez sem parecer frígido ou plágio (ao contrário dos créditos na cena da abertura que me lembraram muito cof Caché ,do Haneke cof) a revelação da natureza dos personagens - um pai de família opressor e machista, que explora suas filhas sem dó e estimula em seu neto a mesma perseguição - é crescente e desesperadora. O plot point se revela aos poucos e mesmo não sendo tão surpreendente, provoca uma sensação de preenchimento quando revelado. O filme recupera fôlego da metade pro final e até consegue uma suavização da mão do diretor, quanto a seus problemas iniciais. A temática (o machismo, opressão e violência doméstica) são abordadas de uma maneira incisiva para com quem o assiste, nada de drama e a repetição do desabafo por parte das personagens femininas, mas sim um desenvolvimento de clima com base no suspense e horror, tornando tudo tão palpável e real sem que sejam necessários diálogos sobre o mesmo.

No final das contras "Miss Violence" é mais acerto do que erro, mais doce do que salgado - mesmo com um tema tão azedo. Os erros são justificáveis quando se leva em conta que é o filme de estreia do diretor, mais ainda quando se lembra que este é um filme de cunho político e desabafo, se utilizando da arte pra levar a discussão adianta. E isso, meus caros, é o que mais interessa.


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